Compósito com ligante à base de MgO captura CO₂ e utiliza fibras vegetais como reforço
- trapichedperrone
- 12 de ago.
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Em direção à neutralidade de carbono até 2050, o setor de materiais de construção tem intensificado a busca por tecnologias capazes de reduzir significativamente seu impacto ambiental. Um exemplo promissor vem da Universidade de São Paulo (USP), onde pesquisadores desenvolveram um novo tipo de ligante à base de óxido de magnésio (MgO), reforçado com fibras vegetais. A proposta visa substituir os compostos calcários tradicionais pelo MgO, reduzindo as emissões de CO₂ associadas ao processo convencional de produção.
“O óxido de magnésio (MgO) oferece uma alternativa mais sustentável e versátil. Dependendo da sua origem e reatividade, ele permite a formulação de ligantes que, além de terem menor pegada de carbono, possuem pH mais ameno e são capazes de reagir com CO₂ do ambiente, promovendo a carbonatação e formando compostos estáveis”, explica o doutor Adriano Azevedo, pesquisador do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP).
Ainda segundo Azevedo, este compósito utiliza fibras lignocelulósicas provenientes de resíduos agroindustriais ou de plantações sustentáveis, como fibras de eucalipto e pinus. “Essas fibras são renováveis, biodegradáveis e possuem baixa energia incorporada em comparação com fibras sintéticas ou metálicas. O grande diferencial ambiental do nosso compósito cimentício está na combinação de dois componentes com baixa emissão de carbono: o MgO reativo e as fibras vegetais. Além disso, o material é capaz de capturar CO₂ durante sua cura, o que contribui ainda mais para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa”, afirma.
Como funciona?
O ligante à base de óxido de magnésio (MgO) atua na captura permanente de CO₂ por meio do processo de carbonatação mineral. Nessa reação, o dióxido de carbono é convertido em carbonatos hidratados de magnésio, uma forma estável e duradoura de armazenamento. A carbonatação pode ocorrer tanto com o CO₂ presente na atmosfera quanto com fluxos concentrados, como os liberados durante a fermentação em usinas de etanol.
“Na prática, isso significa que o CO₂ proveniente de processos industriais, como o da produção de etanol, que gera um fluxo de alta pureza, pode ser utilizado para curar o compósito em câmaras controladas, promovendo a formação de fases minerais estáveis que retêm esse carbono de forma permanente. Além da carbonatação mineral, outra estratégia promissora de captura de CO₂ é o uso de resíduos agroindustriais, como bagaço de cana, fibras de bambu e outras biomassas lignocelulósicas, como reforços vegetais nos compósitos. Ao incorporar esses resíduos na matriz cimentícia, evita-se sua queima e, consequentemente, a liberação do carbono neles contido, promovendo uma forma de encapsulamento biogênico de CO₂ (revestimento com substâncias de origem biológica, que tem como objetivo proteger o material central, melhorar suas propriedades e torná-lo mais compatível com sistemas biológicos). Quando combinados com ligantes inorgânicos mais estáveis e menos agressivos, esses compósitos proporcionam um ambiente protetor para a biomassa, aumentando sua durabilidade e funcionalidade estrutural. Essa abordagem representa uma via eficiente de captura e armazenamento de carbono (CCS) integrada ao setor da construção civil, contribuindo ativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa”, explica o pesquisador.
Como é feita as aplicações do compósito
Atualmente, os pesquisadores estão focando em aplicações não estruturais, como painéis de vedação, placas cimentícias e produtos pré-moldados. “Ainda estamos avaliando a viabilidade do uso em componentes estruturais, o que exigirá estudos mais aprofundados sobre o comportamento a longo prazo, aderência a armaduras e desempenho sob carga. A grande vantagem é que mesmo em aplicações não estruturais, esse tipo de compósito já oferece ganhos ambientais e funcionais muito relevantes”, pontua Azevedo.
Principais desafios na produção
De acordo com Azevedo, os desafios vão além do controle químico da matriz. “É essencial padronizar a produção do MgO, especialmente no que se refere à pureza do material e às condições de calcinação. Mesmo sendo calcinado a temperaturas mais baixas que o clínquer do cimento Portland, o processo deve ser cuidadosamente controlado para garantir uma reatividade adequada, capaz de formar um ligante eficiente e estável. Essa padronização é crucial para garantir desempenho uniforme e confiável do ligante em diferentes aplicações. Além disso, o uso de fibras vegetais exige cuidados específicos com o pH e com a dispersão dessas fibras para evitar degradação precoce e garantir bom desempenho mecânico por períodos mais longos”, explica o pesquisador da USP.
Continuidade da pesquisa com o ligante à base de MgO
Segundo o pesquisador Azevedo, o estudo avança em duas frentes principais. A primeira foca na avaliação técnico-econômica do aproveitamento do CO₂ proveniente da indústria de etanol, um setor em rápida expansão no interior de São Paulo. O objetivo é desenvolver soluções práticas e viáveis para capturar esse CO₂ de alta pureza e utilizá-lo diretamente na cura por carbonatação dos materiais em desenvolvimento.
A segunda frente concentra-se na otimização das reações químicas e dos parâmetros de cura, visando garantir que o compósito final apresente elevada durabilidade, bom desempenho mecânico e contribuição efetiva para a descarbonização da construção civil e da própria cadeia produtiva do etanol. A iniciativa reforça os princípios da economia circular ao integrar setores que historicamente atuam de forma independente.
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